maio 2016

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    Os livros eróticos e a Teoria Literária?

    Na escrita erótica existe um recurso que o melhor romance policial ou a mais incrível ficção científica podem não apresentar: a ambiguidade das palavras. Segundo o crítico literário Viktor Chklovski em A arte como procedimento (1917), é essa capacidade de descrever as coisas de forma diversa do comum, presente na literatura erótica, que constitui a chave da escrita literária.


    Os objetos se tornam únicos, através do que Chklovski chama de processo de singularização. Onde as cenas, os sentimentos, os desejos e as ações para que possam ser compreendidas pelo leitor, exigem uma interpretação do que se encontra nas entrelinhas. Um lento percurso descritivo, o uso da comparações entre itens diversos como as hastes de uma ratoeira e as pernas de uma mulher durante o prazer, compõe o método ideal para aprender a fazer Literatura!

    Ela continuou fingindo que estava dormindo e eu lancei-me com maior avidez sobre o meu alimento de amor, sem abrandar senão quando as coxas dela se apertaram convulsivamente no meu rosto, como a mordedura de uma ratoeira de fresca e musculosa carne jovem. (‘A Coisa | Contos Eróticos’ de Alberto Moravia)


    5 Passos da Teoria Literária para quem se quer tornar escritor ou um bom leitor:

    Chklovski ensina que se deve dar atenção ao seguinte:

    • Aprenda a diferença entre a língua falada e as palavras utilizadas na literatura.
    • Entenda a Lei da Economia das Energias Criativas (para não a usar na escrita literária!).
    • Compreenda a ambiguidade como algo bom!
    • Perceba a obscenidade como método de uma escrita viva e impactante.
    • Mais que tudo, saiba que a arte é pensar por imagens!

    A língua falada versus as palavras utilizadas na literatura

    Existem diferenças entre as palavras utilizadas no quotidiano e aquelas que são empregadas pela literatura.

    Quando conversamos com alguém, a nossa intenção é transmitir uma mensagem que seja clara e objetiva. Ninguém, ao contar sobre um encontro que teve com quem se tem uma atracção, diz ao colega: “A pele do meu amado era ardente como o fogo do desejo, e a sua boca, um pêssego aveludado que acariciava o meu corpo nu”. 

    Perdoada a aventura dessa escritora em produzir erotismo, o mais correto é que se diga “Ele tem um beijo maneiro e é muito gostoso”. Na primeira frase modificamos os usos comuns das palavras para atribuir um significado ampliado, que exige que façamos conexões entre os diversos sentidos das palavras (é preciso associar frutas e sensualidade, a pele com o fogo, etc.).

    Temos palavras que poderiam não se relacionar, mas que através da escrita literária (especialmente a escrita erótica) se conectam para construir um significado totalmente novo.

    O objeto artístico ou estético nasce a partir do significado autêntico que determinada palavra ganha na produção literária. A invenção de uma imagem através da arte dá-se de acordo com a leitura de cada pessoa, num processo em que a escrita ganha formas e resultados diferentes.

    Lei da economia das energias criativas

    Na construção de conceitos da Teoria Literária, Chklovski identificou um pensamento muito recorrente: o de que a escrita perfeita se dá com o uso do menor número possível de signos.

    A lei da economia das energias criativas, como é chamada essa ideia, defende a utilização reduzida de palavras para expressar uma mensagem. A capacidade de síntese e objetividade é o que irá determinar a qualidade do texto. Isso é ótimo, mas não para a literatura. Na criação do texto poético torna-se preciso abandonar qualquer influência da lei da economia das energias criativas.

    A ambiguidade como algo bom

    Uma das características da literatura erótica é nunca dizer as coisas como elas realmente são. As palavras têm significados duvidosos e ao mesmo tempo em que se descreve um convite para uma bebida, a depender da narrativa, o significado pode ser completamente outro.

    A obscenidade contra a mecanização das coisas

    A partir da demonstração do obsceno e da sensualidade enquanto lugares criados pela transformação das palavras, Chklovski apresenta a escrita erótica na sua contribuição para a Teoria Literária. Onde as imagens, quando produzidas durante a leitura, transcendem os significados usuais dos signos e proporcionam ao leitor um exercício de percepção das coisas de forma livre e não mecanizada.

    Essa liberdade de visão sobre os objetos do mundo choca-se com o processo de automatização a que estamos submetidos. A nossa percepção dos objetos costuma ser superficial, diz Chklovski, vemos as coisas como se estivessem embrulhadas em papel de presente.

    Quotidianamente, não analisamos ou vemos os objetos à fundo. E diz, em referência à Tolstoi, aquele que vive sem consciência das coisas, não vive.

    A Arte é pensar por imagens

    Se a arte é pensar por imagens, na escrita literária, o melhor método para a produção das imagens é aquele utilizado na escrita erótica. A subversão dos sentidos, a ida até o fundo dos objetos, a saída do conforto, indo de encontro ao choque e ao espanto. A criação literária depende do esforço de erotização do mundo.

    Créditos a Amanda Lima em medium.com/

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