junho 2017

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    D. H. Lawrence | O Amante de Lady Chatterley

    O enredo de “O Amante de Lady Chatterley” atraiu a atenção da sociedade britânica mais conversadora – e consequentemente puritana -, acabando por ser proibido durante décadas. Publicado em 1928, foi proibido na Inglaterra durante 32 anos por ter sido considerado imoral e pornográfico pela crítica inglesa. 

    Foi graças a esta história que D. H. Lawrence conheceu a fama ao longo dos tempos – foi a proposta de um novo mito de erotismo, dando à sensualidade “tudo o que, até aqui, era dado ao amor: de fazer dele o meio da nossa própria revelação”.


    Apesar de ser inglês, o autor não conseguiu ver a sua obra publicada no seu país, pois veio a falecer em 1930 com apenas 44 anos, vitimado pela tuberculose que o acompanhou por quase toda a vida.

    Sobre a obra:

    Constance, a Lady Chatterley, casou-se com Clifford Chatterley, em 1917, e conheceu-o por inteiro por apenas um mês. 

    Ao ser enviado para a Grande Guerra, Clifford acabou por regressar com a metade do corpo inferior completamente paraplégico e volta, com a sua jovem esposa, para o casa da família: Wragby Hall.

    Para Constance Chatterley “deixou de haver um caminho ameno para o futuro”, e há que viver “por mais que os céus tenham desabado sobre nós”. 

    Constance e a sua irmã Hilda tiveram uma “educação esteticamente não convencional” por terem sido levadas para Paris e Roma para respirarem arte e em direcção a outros interesses, ao serem colocadas em grandes convenções socialistas em Haia e em Berlim. 

    Imune à intimidação da arte ou das ideologias políticas, Constance acaba por se ver fechada nas paredes de Wragby no seu papel de enfermeira e cuidadora do marido. Uma rotina que se revela, a cada dia que passa, cada vez mais monótona e desinteressante.

    Com Clifford a depender cada vez mais da esposa, apesar de demonstrar o seu poder “sinistro” sobre todos os outros elementos da sociedade, Connie (Constance) acaba por encontrar um refúgio em Mellors, o guarda de caça de Wragby. 

    Atormentado pela falta de ingenuidade devido à caótica sociedade em que vive, Mellors acaba por se ligar, aos poucos, a Constance. O amor que os une nasce de uma relação sexualmente satisfatória, em que ambos se querem saciar e explorar os seus corpos. 

    Sobre os personagens:

    A obra gira quase por inteiro em torno dos quatro principais personagens. O autor procura descrevê-los de acordo com o papel que vão representar na obra.

    Constance é descrita de forma a mostrar o que era antes e depois do casamento, e posteriormente o que veio a ser após o encontro com Mellors. Além disso, é importantíssima a origem abastardada, a educação livre e o sexo antes do casamento. 

    Teve uma intimidade maior antes do casamento do que com o esposo. Apesar de se sentir infeliz sexualmente no casamento, é uma mulher segura de si mesma. É importante notar que ela modifica-se sensivelmente ao longo da narrativa. Até se envolver com Mellors, ela não tivera um relacionamento pleno com um homem; e quando o tem, afasta-se progressivamente do marido até abandoná-lo para ficar com o amante.

    Mellors difere de todas as outras personagens masculinas. Levou uma vida errante, casou-se, teve uma filha e separou-se partindo para as colónias. Ao regressar, empregou-se como guarda-caça de Clifford. 

    É um homem solitário, avesso ao convívio social e procura levar uma vida tranquila junto da natureza. Não se importa com o dinheiro e também não pretende envolver-se com nenhuma mulher; por isso deseja ficar só e desliga-se completamente do mundo exterior, refugiando-se na floresta. Não era um homem bonito, mas atraente. Além disso, era sincero, pouco exigente em matéria de amor e, apesar de dominar o inglês, prefere usar um dialeto vulgar.

    Clifford é um homem rico e poderoso. Dono de Wragby, da mina e da vila, casou-se com Constance e logo depois foi para a guerra; regressou mutilado e impotente, obrigado a viver numa cadeira de rodas. Por isso, não tem ligação sexual alguma com a esposa. 

    Depois de curar-se dos ferimentos, passa a dedicar-se à literatura. Incentivado, porém, pela enfermeira, ele abandona a literatura e entrega-se à administração da sua mina. Apesar de tradicionalista e aristocrático, é capaz de aceitar que a esposa tenha um filho de outro homem para continuar a sua linhagem. Contudo, o seu status social não o impede de ter um comportamento infantil do início ao fim da obra.

    Sra. Bolton é a enfermeira contratada para cuidar de Clifford. É uma viúva e tem duas filhas adultas. Ela acredita que todos os homens não passam de bebés. E é com esse comportamento que ela vai influenciar o paciente. 

    Logo de início, ela conquista a confiança e a atenção do patrão. Apesar de ser uma mulher de grande bom senso e dona de certo cepticismo, é uma mulher que também gosta de fazer intriga sobre a intimidade de todos os moradores da vila. Inclusive é ela quem espalha pela vila a notícia de que Constance está grávida e que o filho provavelmente não era do esposo. 

    Esses personagens, na verdade, formam dois pares: Constance/Mellors, o casal saudável e Sra. Bolton/Clifford, o casal doentio.

    Além desses personagens, há os personagens secundários como: Sir Malcolm, pai de Constance, que é um homem sensual e aberto, e responsável pela educação liberal da filha; Michaelis, o primeiro amante de Constance, é um homem atirado, cínico e dissimulado que não conseguia satisfazer sexualmente a parceira por ter ejaculação precoce; Tommy Dukes, amigo de Clifford, é um homem culto, valoriza mais a contemplação do que a especulação filosófica e admite que o sexo é importante nas relações entre homens e mulheres; Leslie Winter, o padrinho de Clifford, é um velho aristocrata conservador que acredita nas teorias racistas em voga no início do século; Hilda, a irmã mais velha de Constance, que não admite relacionamento entre pessoas de classes diferentes e, mesmo assim, ajuda a irmã a encontrar-se com Mellors.

    O Tempo e o Espaço

    O tempo é rigorosamente cronológico, cobrindo um período de mais ou menos um ano. Começa com o casamento de Clifford e Constance em 1917 e vai até a carta que Mellors escreve para a amante, na primavera seguinte.

    A vida das personagens está condicionada aos ciclos naturais. Apesar da ausência específica de datas, é possível concluir que a narrativa é linear.

    O espaço é aberto. Essa parece ser uma preocupação do autor, pois há uma clara distinção entre espaço social e natural e que chega a ser quase uma oposição. Enquanto o primeiro é sempre pesado, feio, deprimente e opressivo, o segundo é belo, saudável e agradável.

    Apesar de que não haver quase sempre uma descrição detalhada dos ambientes fechados, sente-se a preocupação de eles reflectirem a personalidade dos seus habitantes. Além disso, o autor adota sempre uma perspectiva realista em relação ao espaço social e as suas mudanças não passam despercebidas ao narrador.

    O livro é narrado em terceira pessoa, em que o narrador demonstra saber tudo do começo ao fim da obra. Ele, por sua vez, adota uma posição favorável às mulheres. Em alguns momentos, ele partilha as mesmas sensações e os mesmos ideais que os das personagens.

    A Mensagem

    A obra faz uma clara distinção entre os dois tipos de relacionamento, dando a impressão de que a intenção do autor foi justamente levar-nos a optar entre um e o outro. Ou seja, poderá optar entre o relacionamento Constance/Mellors ou pelo do Sra. Bolton/Clifford.

    No primeiro caso, está o relacionamento saudável, representado pelos Amantes. A união entre os dois rompe com todas as convenções sociais. Constance e Mellors são, a bem da verdade, apenas um homem e uma mulher que desejam levar ao limite todas as possibilidades da sua união. Isso é confirmado pela plena satisfação sexual que obtêm nos contatos físicos. E é justamente essa satisfação que mantém estável emocionalmente o relacionamento entre os dois.

    No segundo caso, está o relacionamento doentio entre o paciente e a sua enfermeira. Isso fica evidente pelo tratamento que ela dispensa a Clifford, tratando-o como um bebé e por optar pela intimidade doentia com ele, do que se casar com outro homem.

    Diante de tantas evidências apresentadas no romance, é possível afirmar que a ligação entre o primeiro casal é fruto das suas inclinações naturais, enquanto a ligação do segundo casal é resultado dos seus desvios emocionais que podem ser entendidos como uma regressão.

    Isso leva-nos a entender o porquê da preocupação do autor na caracterização psicológica dos personagens. Essa caracterização não é nada mais nada menos que uma forma de mostrar a afinidade associativa. Afinidade essa que faz com que pessoas semelhantes no comportamento psicológico tendem a aproximar-se uma da outra.

    Acreditando nessa afinidade, o autor quis mostrar que nenhuma convenção social é capaz de impedir que duas pessoas semelhantes se aproximem. Mesmo quando essas duas pessoas são de classes, nível cultural e estilo de vida tão diferente.

    Sabendo-se que Lawrence era um homem culto, ele pode ter sido influenciado pelas teorias de Freud ao escrever este romance; uma vez que a ênfase dada ao sexo na construção da personalidade é produto das teorias freudianas.

    Acabando:

    A conclusão que se chega ao final da história é que o livro é uma obra que se aproxima do Realismo.

    Isso pode ser afirmado pelo tratamento dispensado ao espaço social e à traição. Este último, porém, não tem a importância na obra como teve no Realismo. Outra coisa que a diferencia um pouco do realismo é a conduta dos personagens em relação à raça e ao meio. Aqui o que importa são as necessidades sexuais do casal Constance/Mellors e não os outros detalhes.

    Outra coisa importantíssima é se o livro é uma obra pornográfica ou não. Essa é uma controvérsia difícil de resolver; mas, se analisarmos bem a obra e todo o conjunto das obras do autor, é possível chegar a conclusão de que não. 

    O livro apesar das descrições de atos sexuais, não é uma obra pornográfica. Isso fica evidente na diferenciação que o autor faz ao descrever o sexo antes e depois do início do relacionamento entre Mellors e Constance. 

    Ao verificarmos, fica evidente a diferença entre o ato físico e o sentimento que o envolve. Ou seja, o autor quis mostrar que fazer sexo sem amor é uma coisa e fazer amor é outra totalmente diferente.

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